(Cap. III do trabalho de conclusão do curso de Filosofia - Crítica ao conceito de felicidade do homem contemporâneo) parte - 3/3
Da decepção à Felicidade
Da decepção à Felicidade
"Todo querer nasce de uma necessidade, portanto, de uma carência, logo, de um sofrimento. A satisfação põe um fim ao sofrimento; todavia, contra cada desejo satisfeito permanecem pelo menos dez que não o são. Ademais, a nossa cobiça dura muito, as nossas exigências não conhecem limites; a satisfação, ao contrário, é breve e módica. Mesmo a satisfação final é apenas aparente: o desejo satisfeito logo dá lugar a um novo: aquele é um erro conhecido, este um erro ainda desconhecido. Objeto algum alcançado pelo querer pode fornecer uma satisfação duradoura, sem fim, mas ela se assemelha sempre apenas a uma esmola atirada ao mendigo, que torna sua vida menos miserável hoje, para prolongar seu tormento amanhã". (Arthur Shopenhauer - O Mundo como Vontade e como Representação)
Nessa realidade da vontade que nunca poderá ser satisfeita, como entender a felicidade? Pensar a felicidade como uma atitude racional de equilíbrio das ações e numa tomada de consciência das satisfações que são apenas momentâneas, poderá contribuir para a ideia de que a mesma pode ser encontrada nesse processo, baseado pela virtude e por esse reconhecimento dos limites que se tem. O homem, que hoje se coloca no centro como o seu próprio "deus", mostra estar tomando um lugar que não o pertence. Voltar para a condição de criatura, de dependente, de necessitado poderá ser uma resposta para essa discrepância entre sua objetividade e sua subjetividade. Sto. Agostinho tem toda razão quando deposita em Deus toda as chances do homem ser feliz. Ele é consciente da limitação humana e sabe que só Deus, por ser Ele ilimitado e imutável, satisfará esse mesmo homem em suas necessidades.
Não há dúvida de que, apesar dos excessos, dos vícios ao invés da virtude, principalmente no que tange o bem estar, o homem tem como fim de suas ações a felicidade. "É em nome da felicidade que se desenvolve a sociedade de hiperconsumo", como afirma Lipovetsky. Ao redor de si, esse mesmo homem depara-se constantemente com grandes quantidades de guias e métodos que trazem consigo uma promessa de vida melhor. A televisão e os jornais trazem conselhos de saúde e de forma. É crescente o número de psicólogos que trabalham na ajuda às pessoas em dificuldades. Isso mostra que o homem trabalha em função de sua felicidade e tende a continuar assim, pois há dentro de si a exigência de ser feliz, mesmo não sabendo perfeitamente como isso acontecerá.
A felicidade humana, tornando-se o ideal supremo, traz consigo uma postura de desprezo à tradição da filosofia clássica e à religião. O homem contemporâneo, assim influenciado, vê-se, à medida que avança por este caminho, esvaziando-se enquanto indivíduo, enquanto ser. Por isso, a felicidade permanece, de fato, em sua história, em seu passado e cada vez mais longe de seu futuro. Essa é a ideia de que a felicidade somente é encontrada numa atitude nostálgica. Ou seja, o homem de hoje, por não viver segundo o equilíbrio entre razão e instinto, acaba por não aproveitar melhor seu tempo presente e o recordar-se de fatos passados traz a frustração de uma oportunidade de felicidade que passou e que não volta mais.
A ideia aristotélica é fundamental para uma vida feliz, mesmo levando em consideração a limitação humana. As virtudes intelectuais, quando integradas às virtudes morais, colocam o indivíduo no centro, no eixo de sua existência. Dessa forma, o homem se integra ao universo, já não se coloca mais como seu centro. Sto. Agostinho também enfatiza o papel da virtude como fator de equilíbrio no ser humano. Mas ele completa o que faltou em Aristóteles. Agostinho diz que a felicidade é Deus e cabe ao homem possuí-lo para ser feliz. Portanto, as ideias de Aristóteles e de Sto. Agostinho trazem consigo a esperança da vida feliz para o homem de hoje. Ambas retiram o homem de qualquer ilusão e o colocam à busca, ao esforço. Ambas retiram o homem do egoísmo, pois, não haverá felicidade sem virtude. Sem justiça, sem temperança, sem moderação, sem caridade, é impossível pensar a felicidade. E, segundo Agostinho, sem essas mesmas virtudes, é impossível chegar a Deus.