Não concordo com a ideia de que os amigos são coisas que faltam em mim. Essa palavra "coisa", que quero usá-la para explicar o que os amigos não são, a princípio não me agradou. Mas, percebi que tem tudo a ver com o que quero falar. Então, explico. O amigo não é a voz que não tenho, naquelas situações em que preciso cantar, como para falar, criticar e opinar. Ele também não é meu servo, meu escravo, que tem que estar 24 horas disponível, atento às minhas necessidades e carências. O amigo sabe que sou só, mesmo sabendo que nossa amizade proporciona intimidade e profundidade. Ele é diferente de mim. Talvez, eu goste de carne bovina e ele não. Ou, talvez, ele goste de vinagre com cebola crua e eu deteste e, ainda, talvez eu goste de vinho e ele não. Posso começar a questionar essa amizade se, por acaso, eu passar a mudar meus gostos, tipo, achando que isso vai agradar meu amigo... Na verdade, se isso acontecer, é sinal de que estou me deixando influenciar por quem chegou na minha vida com a proposta de me amar do jeito que eu sou, mesmo eu gostando do que eu gosto e mesmo não lhe agradando. Mas, têm coisas que vamos passar a desfrutar só após a chegada do amigo sem deixar de ser quem somos. Talvez um suco de limão bem azedinho etc.
O amigo não roubará para si as nossas dificuldades, o nosso sofrer. Essa atitude heróica pode ser linda, louvável e digna de aplausos. Mas, ela pode nos estragar. Nossas dores são matéria com potencial para nos fazer crescer. Cabe à nossa decisão, é claro. O amigo saberá que sua presença, e somente a sua presença nessa hora, é o mais importante. E, mais cedo ou mais tarde, ele dirá: "preciso ir embora". Mesmo sendo quem ele é, precisará ir, pois tem o seu lugar e sua hora. Isso pode parecer um tanto insensível, mas acho que os amigos se unem e não se confundem entre si. Nesse mundo das relações cada vez mais superficiais, presenças são o que não faltam. "Amigos" são utilizáveis (e por que não descartáveis?) aos montes e quase não se tem tempo para si. A solidão é banida. Logo, reificar ou coisificar pessoas significa esvaziamento e alienação de si. Portanto, não crescimento.
Nos momentos de dificuldades, Cireneu, aquele que ajudou o Senhor na subida até o Calvário, pode ser tomado como um bom exemplo. A Cruz não era dele. Ele ajudou Jesus até certo ponto. Dali pra frente era com Jesus. Isso é também uma forma de respeito. A dor, o calvário só poderão ser sofridos pelo amigo, também, até certo ponto. O que fica nesse momento é a crença de que ele conseguirá. Aqui, brota o sentimento de impotência, por ver o amado sofrer e não poder fazer nada.
Os amigos se olham e se percebem. Não estarão fundidos um no outro. Do contrário, não seria amizade. Há uma junção, dois caminhantes rumo aos desafios da vida. Claro, ambos terão no coração o desejo de, se preciso, dar a vida um pelo outro, para que ele viva a sua vida, pois a verdadeira amizade é sempre livre de todo desejo de possuir, de centralizar em si o controle das decisões. A coisificação do outro é sempre uma atitude mais fácil a ser tomada. Mas, o meu amigo não serve pra compensar o que falta em mim. E eu também não suprirei suas ausências. Eu, com meus dilemas, ele com os dilemas dele, nos tornamos um somente quando respeitamos os limites da solidão que ambos temos.