sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Amigos: junção e não fusão de dilemas


Não concordo com a ideia de que os amigos são coisas que faltam em mim. Essa palavra "coisa", que quero usá-la para explicar o que os amigos não são, a princípio não me agradou. Mas, percebi que tem tudo a ver com o que quero falar. Então, explico. O amigo não é a voz que não tenho, naquelas situações em que preciso cantar, como para falar, criticar e opinar. Ele também não é meu servo, meu escravo, que tem que estar 24 horas disponível, atento às minhas necessidades e carências. O amigo sabe que sou só, mesmo sabendo que nossa amizade proporciona intimidade e profundidade. Ele é diferente de mim. Talvez, eu goste de carne bovina e ele não. Ou, talvez, ele goste de vinagre com cebola crua e eu deteste e, ainda, talvez eu goste de vinho e ele não. Posso começar a questionar essa amizade se, por acaso, eu passar a mudar meus gostos, tipo, achando que isso vai agradar meu amigo... Na verdade, se isso acontecer, é sinal de que estou me deixando influenciar por quem chegou na minha vida com a proposta de me amar do jeito que eu sou, mesmo eu gostando do que eu gosto e mesmo não lhe agradando. Mas, têm coisas que vamos passar a desfrutar só após a chegada do amigo sem deixar de ser quem somos. Talvez um suco de limão bem azedinho etc.  
O amigo não roubará para si as nossas dificuldades, o nosso sofrer. Essa atitude heróica pode ser linda, louvável e digna de aplausos. Mas, ela pode nos estragar. Nossas dores são matéria com potencial para nos fazer crescer. Cabe à nossa decisão, é claro. O amigo  saberá que sua presença, e somente a sua presença nessa hora, é o mais importante. E, mais cedo ou mais tarde, ele dirá: "preciso ir embora". Mesmo sendo quem ele é, precisará ir, pois tem o seu lugar e sua hora. Isso pode parecer um tanto insensível, mas acho que os amigos se unem e não se confundem entre si. Nesse mundo das relações cada vez mais superficiais, presenças são o que não faltam. "Amigos" são utilizáveis (e por que não descartáveis?) aos montes e quase não se tem tempo para si.  A solidão é banida. Logo, reificar ou coisificar pessoas significa esvaziamento e alienação de si. Portanto, não crescimento.
Nos momentos de dificuldades, Cireneu, aquele que ajudou o Senhor na subida até o Calvário, pode ser tomado como um bom exemplo. A Cruz não era dele. Ele ajudou Jesus até certo ponto. Dali pra frente era com Jesus. Isso é também uma forma de respeito. A dor, o calvário só poderão ser sofridos pelo amigo, também, até certo ponto. O que fica nesse momento é a crença de que ele conseguirá. Aqui, brota o sentimento de impotência, por ver o amado sofrer e não poder fazer nada.
Os amigos se olham e se percebem. Não estarão fundidos um no outro. Do contrário, não seria amizade. Há uma junção, dois caminhantes rumo aos desafios da vida. Claro, ambos terão no coração o desejo de, se preciso, dar a vida um pelo outro, para que ele viva a sua vida, pois a verdadeira amizade é sempre livre de todo desejo de possuir, de centralizar em si o controle das decisões. A coisificação do outro é sempre uma atitude mais fácil a ser tomada. Mas, o meu amigo não serve pra compensar o que falta em mim. E eu também não suprirei suas ausências. Eu, com meus dilemas, ele com os dilemas dele, nos tornamos um somente quando respeitamos os limites da solidão que ambos temos.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Ainda continuo com medo

A imaturidade é fato. O choro, o grito, o desespero acontecem quando a solidão e a dor se aproximam. Muitos de nós (eu com certeza!) ainda temem o desprezo, a indiferença e o não reconhecimento dos outros. O anseio por presenças, seja de coisas ou pessoas, que são tidos como lugares de segurança e conforto é crescente. Cresce na medida em que o achar-se pronto, homem feito e feliz consiste em sempre estar amparado, como uma criança que só pensa em si e sempre se esquece dos outros. A tal fase do altruísmo é muito falada, grandes discursos sobre... Discursos vazios de sentido. Linguagem e realidade, duas coisas que não se conhecem. Mas, o que a experiência mostra é a criança que só quer brincar, mas que não sabe brincar, a não ser sozinha. Estamos em tempos de forte egoísmo! Alguns alimentos, não necessariamente aquilo que comemos e bebemos (o que lemos, o que vemos e ouvimos), que são essenciais para o desenvolvimento, servem mais como entorpecentes do que como sustento, forjando realidades à parte. Grandes mundos de fantasias, de ilusões onde tudo está bem e não há problemas que precisam ser resolvidos. O senso crítico não existe, pois tem sempre alguém a gritar por nós, a questionar, a reivindicar nossos direitos, a lutar por justiça.
É de se compreender por que muitos ainda não querem crescer. A realidade é dura. A queda, os erros, os fracassos compõem o mundo das nossas possibilidades ou já estão por aqui. A solidão é fato. Está em nós. Por mais que tenhamos fé, por mais que sejamos filhos queridos de Deus e por isso somos 24 horas do nosso dia olhados por Ele, ainda assim há razões para temermos, mesmo que sejam razões as quais não sabemos de onde nem por que vêm. Nossa fé e nossa tomada de posse do que somos em Deus exige vigilância constante. Isso até pode ter relação com a nossa contínua necessidade de saciar a fome, a sede, os desejos etc. Encarar a realidade dá frio na barriga, tendo fé ou não. Maturidade está para profundidade. Em outras palavras, maturidade está para verdadeiro comprometimento com a vida, sem querer ficar só com os dias de alegria e de sol em detrimento dos dias de tristeza e chuva. 
A busca por lugares que não existem parece ser algo que está entranhado em nossas estruturas. Nessa fase do ficar só com os dias de sol, a fase do homem feito e feliz que já citei acima, as utopias ganham vida. Não há medo. Não há erros. Se existem medo e erro não é comigo. É sempre com o outro...  
Não existem opções de lugares para se viver. Só há um lugar, cheio de luz e sombra. Acredito que não existam outras vidas a se viver para, talvez, justificar a vida que passou. A vida é essa que estamos vivendo, e o estar com medo, temendo algo, isso é sinal de humanidade. Quem luta quer vencer, mas também teme a derrota.       
Condeno a imaturidade assumida. Apoio a imaturidade reconhecida, pois este é o primeiro passo para que se possa viver sem vendas nos olhos, chorando e sorrindo, com afetos de homens e mulheres que querem crescer. 

As dúvidas, os questionamentos e o achar-se não pronto são grandes aliados no processo de crescimento. Por isso, não os evite. Mas cuidado, o medo é consequente!  

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A saga de ser Deus

Minha saga de ser Deus ainda continua. Vivo ignorando minha natureza humana quando tento tudo controlar, tudo querer, tudo fazer. Isso, com certeza, é o meu maior pecado. Sinto dentro de mim o impulso de controlar o tempo, de dizer quando pode chover ou quando pode fazer sol. As retribuições, o reconhecimento pelo esforço feito e os elogios são sempre esperados por mim. Ainda continuo desejando os lugares de honra, os aplausos. Temo a solidão e o fracasso. O belo discurso de que o que faço é sem querer nada em troca, ainda é mais teoria do que prática. E reconhecer isso, ainda é meu grande desafio. Almejo uma perfeição que não me cabe. Vivo tentando fazer com que as interpretações dos outros sobre mim e sobre as coisas sejam sempre da forma que eu quero. Por isso, o fracasso se torna a paga por essa pretensão desmedida em assumir um lugar que não me pertence. O anseio por uma perfeição desumana não me humaniza. Redundante conclusão, eu sei, mas é a triste realidade de um homem e seus dilemas. Acredito que a causa desse meu anseio de ser mais do que posso ser está na não aceitação da minha finitude. Ainda não aceito perder, padecer, sofrer e morrer. 


Neste momento em que tento escrever sobre meu desejo de perfeição, entre um biscoito e outro, tenho a preocupação de escrever um texto legal. A hipótese de fracassar me assusta. Estou, agora, a procurar as palavras, pois as mesmas me fogem. Estou temendo não conseguir dar sentido a isto que quero escrever mas confesso também não estar preocupado com rimas, ordem e quantidade. Claro, nem sempre é assim! Assumir o papel do "está tudo bem, se melhorar estraga, é assim mesmo", é sempre minha grande tentação. Ocultar as fraquezas, neste atual cenário em que vivo, parece uma prática quase que absoluta.
O desejo muitas vezes desenfreado de alegria e festa me faz querer que a vida seja reduzida só a este enredo. Luzes, cores, danças, perfumes... Essa minha saga de ser Deus é muito medíocre mesmo! Escolher parte da realidade em detrimento da outra que é sempre fonte de renovação, de avaliação e amadurecimento só pode ser atitude de um ser humano de posse do que não lhe pertence. Por isso, concordo plenamente com a ideia de que o que me humaniza é aquilo que me faz experimentar o que é próprio dessa mesma humanidade. Seriam, então, as ideias? Seriam, então, os sonhos utópicos? As vitrines? As cores? Os sons? Definitivamente não. As ideias são importantes, como também os sonhos e os lugares de divertimento. Mas, uma experiência que sempre me lembra dos meus limites é a do fracasso. Se ainda continuo a querer tudo controlar, os dias escuros, os dias maus, me devolvem a mim mesmo. Eles me fazem querer mudar de tema, talvez pensar em escrever sobre a saga de ser homem, deixando Deus ser quem ele é, sem reduzi-lo a mim, sem querer ser o que jamais eu poderia ser.